quinta-feira, 9 de maio de 2013

Calcário Líquido - Analisando Algumas Considerações


O aparecimento de corretivos de acidez, caracterizados como "calcário líquido", está causando uma polêmica muito grande no meio agronômico. Os maiores motivos de contestação são contra às recomendações das empresas que os fabricam, em relação à denominação de "corretivo da acidez do solo" e à quantidade, ou seja, "5 litros/ha do calcário líquido" substituem uma  tonelada de calcário em pó. Realmente, essa quantidade é de colocar em dúvida qualquer vivente. Mas, vamos analisar alguns fatores:

1) Teor de CaO e MgO que, por convenção, são as formas de expressão dos teores de Ca e Mg dos calcários. O fabricante diz que o seu produto, calcário líquido, possui 17,5 % de Ca e 6% de Mg. Convertendo em CaO e MgO teremos:
17,5% Ca x 1,4 = 24,5% de CaO
6% de Mg x 1,67 = 10,0% de MgO
A Legislação Brasileira para corretivos de acidez estabelece que o mínimo de CaO e MgO para um produto ser registrado como corretivo, portanto estar apto à comercialização, é que ele deve apresentar como garantia, no mínimo, 38% na soma dos dois óxidos. Ora, o produto em questão apresenta 24,5% CaO + 10,0% de MgO, ou seja, um total de 34,5 %. Por esse fato, o calcário líquido não poderia ser registrado como corretivo da acidez do solo, pois as garantias estão abaixo do mínimo estabelecido pela legislação. Para  tomar conhecimento da Lei, acesse o link a seguir:

O PN desse produto seria:
24,5 CaO x 1,79 = 43,8
10,0 MgO x 2,48 = 24,8  
PN = CaO + MgO = 43,8 + 24,8 = 68,8%
A legislação exige, no mínimo, um PN de 67%.
LEIA:  Influência do PN na qualidade do calcário

Sabe-se que aplicando 1 tonelada/ha de calcário pó na camada de solo de 0-20 cm, cada 1% de CaO adiciona ao solo o equivalente a 0,01783 cmolc/dm³ de Ca.
Um calcário em pó com 36% de CaO adicionaria ao solo:
36 % CaO x 0,01783 = 0,64 cmolc/dm³ de Ca
1 cmolc Ca = 0,2004 g = 200,4 mg/dm³ Ca
0,64 x 200,4 = 128,25 mg/dm³ Ca
128,5 mg/dm³ x 2 = 257 kg/ha Ca para cada tonelada aplicada.

O fabricante do calcário líquido diz que existe 297,5 g/L de Ca no seu produto.
297,5 g/L x 5 (dose recomendada por ha) = 1.487,5 g Ca = 1,487 kg/ha Ca
1,487 kg/ha Ca x 2,4973 = 3,7 kg/ha de CaCO3
Na propaganda do produto, os fabricantes afirmam que a ação do calcário líquido vai até 25 cm abaixo da superfície do solo.
O cálculo do MgO do calcário pó não daria resultado diferente, ou seja, adicionaria mais Mg. Na aplicação de 1 tonelada/ha de calcário dolomítico pó na camada de solo de 0-20 cm, cada 1% de MgO adiciona ao solo o equivalente a 0,0248 cmolc/dm³ de Mg. O calcário líquido, segundo o fabricante, adiciona 102 g/L de Mg.
102 g/L x 5g/ha = 610 g/ha ou 0,61 kg/ha de Mg
0,61 kg/ha Mg x 3,4692 = 2,1 kg/ha de MgCO3.
Portanto, em relação à quantidade recomendada de 5 L/ha, o pessoal tem razão de contestar.
Os fatores usados aqui para conversão podem ser visualizados acessando:

2) A legislação exige ainda, no Art. 9º,§  2º, que os corretivos de acidez que não tenham antecedentes no país em qualquer um de seus aspectos técnicos, o registro só será concedido com base no resultado de trabalho de pesquisa ou parecer de instituição de pesquisa oficial que ateste a viabilidade de seu uso agrícola, em conformidade com o que estabelece o Art. 15 do regulamento aprovado pelo Decreto nº 4.954, de 2004.
Resultados de pesquisa oficial praticamente não existem. Recomendação por instituição de pesquisa oficial está difícil, porque o IAC (Instituto Agronômico de Campinas) editou, recentemente, uma nota oficial que não recomenda a utilização de fertilizantes fluídos (calcário líquido) para a neutralização da acidez do solo. A nota do IAC pode ser visualizada acessando:

Resta-nos perguntar como o produto obteve registro de corretivo da acidez do solo se a soma garantida pelo fabricante não atinge os 38% (%CaO + %MgO) e a utilização do produto calcário líquido, não sendo tradicional no País, não possui resultados de pesquisa exigidos pelo Art. 9º, § 2.
  
3) Como fertilizante fluído deixa uma incógnita, pois a Legislação exige garantias mínimas de 10% de Ca e 8% de Mg para o fluído. O produto chamado calcário líquido tem 6% de Mg.

Pode até o produto apresentar benefícios como fornecedor de Ca e Mg para as plantas em pomares e horticultura. Vale, nesse caso, a necessidade de pesquisas para comprovar isso, no que diz respeito à quantidade, época de aplicação, modo de aplicar, etc. Mas, não como corretivo da acidez do solo, nem de neutralizar o Al³ tóxico do solo. Por cálculos estequiométricos, para neutralizar 1 cmolc/dm³ de Al³+ seria necessária 1 tonelada/ha de carbonato de cálcio (100%) e incorporada na camada de 0-20 cm do solo. 


20 comentários:

  1. Acho que toda nova tecnologia deve ser vista com bons olhos, na medida do possível. Pelo que observei no artigo, há uma diferença percentual muito pequena entre o que recomenda a lei e o que contém o produto. Se analisarmos bem, a legislação em muitos aspectos é mecânica demais, esdruxula e não da espaço para inserção tecnologias, digamos, radicais. Particularmente eu penso que isso é um retrocesso. Se sempre oferecêssemos resistência às novidades no setor que alimenta uma população de quase 8 bil. de pessoas, talvez ainda estaríamos arando o solo com arado de bois.

    Reinaldo F. Medeiros
    (Doutorando Nutrição mineral de plantas - CCA/UFPB)

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    1. Partindo dessa premissa podemos achar que um calcário com PRNT 43% possa ser comercializado quando a legislação só faz registro de calcários com no mínimo de 45%. Ou comercializar superfosfato simples com 16% de P2O5, quando a legislação exige, para registro, no mínimo 18%. Então, cabe aos pesquisadores encaminharem subsídios para alterar a legislação, pois ela foi baseada em dados de pesquisa. Gostaria da sua colaboração, por ser Doutorando em nutrição mineral de plantas, que mostrasse aos leitores, com cálculos estequiométricos, a ação de 5 l de calcário líquido possam substituir 1 tolelada de calcário em pó. Agradeço a sua participação no blog.

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    2. Parabéns Gastão pelos comentários e pelas cálculos.

      Quanto ao comentário do "Doutorando" em Nutrição de Plantas, só lamento.
      É um retrocesso alguns alunos de Pós-Graduação continuar pensando em evoluir dessa forma. Sem conhecimento técnico.
      Ainda não aprendeu a base da fertilidade do solo que é calcular a necessidade de calagem.

      Lamentável e ainda quer falar de evolução....

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  2. Sr. Gastão, parabéns pelo excelente post, com conteúdo de qualidade, com bases consistentes e acima de tudo, isenção.

    Obrigado por divulgar o resultado de sua investigação mais uma vez e por colaborar para o crescimento de todos que, assim como eu, visitam o blog em busca de conhecimento.

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  3. É professor, e tem muita gente querendo comprar...

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  4. Muito bom seu post Gastão, muito interessante. Desde que começaram a surgir notícias desse produto tenho procurado acompanhar. Contudo, existe uma maneira de se supor uma quantidade a aplicar do produto partindo desse PN (supondo uma mudança qualquer de saturação de bases, apenas como exemplo)?

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    1. Os corretivos têm diferentes capacidades de neutralização de ácidos. Isso chama-se de Poder de Neutralização ou PN que é expresso em relação ao carbonato de cálcio puro (100%). Quanto maior o PN maior é a quantidade de ácidos que ele neutraliza. Quanto menor o PN maior a quantidade de corretivo a ser aplicado. Mas, só o PN não é o suficiente. É preciso conhecer a reatividade (RE), ou seja, o tamanho das partículas que definem o tempo de reação do calcário. Os dois PN e RE devem ser levados em consideração para medir a eficiência de um calcário.
      PRNT (%) = (PN x RE)/ 100
      A quantidade de calcário é recomendada para um PRNT de 100%, se o PRNT do calcário a ser usado for menor devemos fazer a correção da quantidade.

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  5. Parabém pelo esclarecimento...................muito bem explicado.Para quem acredita nesta milagrosa tecnologia tem que voltar a estudar agronomia!

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  6. Se houver pesquisa que ateste a eficácia do produto seria excelente, sendo menos importante a questão legal que pode ser adaptada. Mas embora seja tentador, já não acredito em Papai Noel =)

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  7. É difícil acreditar, mas e ser funcionar? redução de custo, competitividade de mercado, facilidade de manejo, entre outros benefícios podem acontecer, então porque resistir?

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  8. Professor de qualquer forma, lei se cumpre, as vezes se discute, produto fora dos limites estabelecidos por lei, deve ser regulamentado.
    Também acho que deve ser realizado mais estudos e pesquisas em cima do produto.

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  9. Aqui no Acre muitos psicultores foram enganados e alguns com prejuízos, os vendedores aplicavam o produto e logo depois faziam a medição do pH demonstrando para o produtor o resultado, no outro dia de manhã a água já estava acida novamente. Vale ressaltar que na piscicultura o pH se altera com o decorrer do dia e que apenas 3kg de calcário pode neutralizar a acidez porem não tem efeito tampão. Outra maneira de enganar o produtor é fazer uma analise do solo antes, aplicar o produto, fazer gradagem e o plantio com 200 a 300 kg de adubo por ha e fazer uma analise depois e comparar os resultados.
    Ainda conseguir orientar alguns produtores sobre as duvidas referente ao produto.

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  10. E vou dizer mais: A mesma empresa que está nos EU há mais de 40 anos e trouxe o calcário líquido pra cá, está trazendo também o GESSO LÍQUIDO. Aí vão endoidar mesmo.

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  11. Eu estou usando calcário líquido em cana e estou monitorando a cada 30 dias, solo e planta, verificando teores de nutrientes e de absorção. Para mim o que vale são os resultados de campo e não mídia, ou teorias de alguns "doutores", que muitas vezes são pagos para publicar certas críticas. O exemplo é a Fertec. Diluir calcário granulado e vender como líquido é pra acabar msm! E o IAC ainda analisou o calcário dels e publicou uma crítica aos produtos idôneos. E digo mais, esta tecnologia veio para ficar e eu apóio.

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    1. Caro Gismonti,
      Como agrônomo, achei que esta questão já havia superada com base no que a gente aprende na escola. Para aqueles agrônomos que não gostavam de estudar fertilidade, basta que saibam fazer contas prá ver do que estamos tratando ao mexer com o tal "calcário líquido".
      Apenas um esclarecimento, alguns produtores conseguiram registro junto ao MAPA com fertilizante mineral fluido (fonte de Ca e Mg) e não como corretivo de acidez.

      Luiz Teixeira
      PqC do Centro de Solos do IAC

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  12. Sempre nas dúvidas recorro ao seu blog, e praticamente 100% delas, eu resolvo nas leituras dos seus artigos. Obrigado por compartilhar o seu conhecimento tão valioso conosco!
    Lauro Cézzar - Produtor Rural.

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  13. Parabéns Mestre por seus ensinamentos objetivos.
    Wilson Costa Pilé-Dpto Coml.Multifós/Bioceres
    Maringá-PR

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  14. Primeiro quero parabenizar pela dedicação ao blog, e por semear conhecimento neste mundo, professor foi me apresentado o seguinte produto um com as seguintes características: Elemento cálcio (teor total); p/p % 25; p/v g/l 435; natureza física suspensão homogênea; densidade 1,74 g/cm³; contem aditivos tensoativos aniônicos a 2%, surfactante aniônicos a 2%, espessante tixotropicos a 5% e corretivo de acidez carbonato cálcio 62%.
    Sendo indicado para aplicar 2 litros no sulco do plantio milho safrinha. Professor a grande pergunta, o que esse produto fornece de cálcio por litro, ele pode ser considerado corretivo, e como fertilizante sendo uma fonte de cálcio já que não apresenta magnésio na sua composição?

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